Realidade x Fantasia
Ou: por que o Botafogo foi campeão da Taça Guanabara? Ou: os pés no chão x à espera de um milagre.
Não existe uma fórmula definida que explique o título do Botafogo. Existe, sim, uma combinação de fatores, intra e extra-campo, que ajudam a entender como um clube que acabou de sair de uma forte crise política, ainda em meio a complicações financeiras, e totalmente desacreditado (pela mídia e pela própria torcida) chegou ao triunfo em pouco mais de um mês.
Muitos podem argumentar que a Taça Guanabara não é um título de fato, apenas um turno do campeonato, e um turno curto. Mas justamente o fato de ser o primeiro turno do primeiro campeonato do ano é que faz essa conquista um tanto quanto curiosa, e merecedora de um pouco de reflexão. Em especial, por parte dos clubes rivais (ou ‘co-irmãos’, como é a moda agora).
Flamengo e Fluminense começaram o ano como declarados favoritos, até mesmo o Vasco teve mais crédito do que o Botafogo de Ney Franco (em parte por estar iniciando uma era da qual muito se espera). Se o Vasco teve os pontos perdidos no tapetão, fora de campo vem enfrentando sérios problemas políticos, e aquela velha falta de dinheiro que permeia todos os clubes cariocas, em eterna crise, e que já virou rotina (infelizmente). O Flamengo começa a se preparar para as eleições do final do ano finalmente mergulhando em uma crise anunciada há anos, e que os dirigentes escolheram empurrar com a barriga até não haver mais jeito de negar. O Fluminense parece uma criança mimada. Ele quer, quer, quer. Só quer, mas não sabe o que fazer.
A nova diretoria do Botafogo, que também assumiu sob grande desconfiança, vem se mostrando eficiente, e, acima de tudo, realista. E assumir a realidade é o primeiro passo para sanar os problemas de qualquer clube no Brasil. Se o orçamento é curto, se as contratações não podem ser apoteóticas, se a situação não permite luxos, então a primeira providência deve ser admitir e trabalhar em cima disso. Foi o que o Botafogo fez. Um elenco de jogadores jovens e desconhecidos, com alguns poucos valores de nomes mais retumbantes. Houve uma preparação sem soberba e sem exageros, com muito comprometimento e cumplicidade. A diretoria fechou com o técnico que fechou com o elenco, e dessa forma todos estavam focados no trabalho. Se daria resultado em pouco tempo ou não era um mistério, mas antes de tudo houve esforço. Houve doação. E, principalmente, houve vontade.
O Botafogo planejou e executou dentro da sua capacidade, se preparou para a competição sem esperar que milagres ou mágicas acontecessem. O resultado está aí. Existe uma diferença entre montar um time e escalar um time. Enquanto o alvinegro apostou no conjunto da obra e fez dela a sua força, Flamengo e Fluminense colocaram seus jogadores em campo e esperaram que eles resolvessem suas vidas sozinhos. O problema vai muito além do técnico e sua comissão; remonta às diretorias e sua falta de critério na hora de contratar, à falta de planejamento e a ausência de pessoas mais qualificadas tomando conta dos departamentos de futebol.
É claro que passada a Taça Guanabara, os outros times terão mais tempo para se acertar, e é provável que consigam, dentro do possível. Com tempo tudo se acerta; se as coisas são feitas de maneira correta, se acertam mais rapidamente. O grupo do Botafogo não está pronto para competições nacionais, tem muitas falhas que precisam ser corrigidas, carece de um elenco mais forte, jogadores melhores para algumas posições e melhores reservas para outras. Mas de último colocado na crítica geral de início de ano, Ney Franco colocou o seu time no topo da competição, taça na mão sem a menor sombra de dúvida quanto ao seu merecimento. Se o Botafogo de Futebol e Regatas ainda está longe de poder ser qualquer coisa próxima a um clube modelo, serve pelo menos de inspiração para outros clubes no Rio nesse começo de temporada turbulenta para o futebol carioca, depois de dois anos respirando mais aliviado.
A conquista de um turno diz pouco em termos de continuidade da temporada. Mas a forma como foi conquistada é que deve dizer muito. O Flamengo, com o potencial de arrecadação que tem; o Fluminense, com os rios de dinheiro que seu patrocinador está sempre disposto a investir; o Vasco, com a mobilização que a segunda divisão promete causar (vide o Corinthians) – todos podem fazer melhor, todos têm a faca e o queijo na mão para darem o primeiro passo em busca de maiores objetivos, não só nesta temporada. E é só assim que o futebol carioca, como um todo, vai poder parar de viver de momentos e acertos inesperados para começar a figurar no topo da cadeia futebolística nacional, onde sempre esteve e de onde nunca deveria ter saído. É bom para os clubes do Rio, é bom para os torcedores, é bom para o estado do Rio e é bom para o futebol nacional, que só tem a ganhar.
No mais, parabéns ao Botafogo.
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